domingo, janeiro 25, 2004

"Nunca vi um animal selvagem ter pena de si próprio."

Não me lembro do nome do filme...
Não vi o filme todo...
Mas... vi o filnal do filme com aquela frase do título e a mesma não me sai da cabeça...

Ando bastante deprimida, o que considero até quase normal, face às voltas que a minha vida tem dado.
Se eu conseguisse andar feliz e contente é que teria motivos óbvios para me preocupar com a minha sanidade mental.
Como disse ontem a alguém que me é muito querido, ainda me consigo rir nos intervalos da puta de depressão. Acrescentei que, enquanto isso acontecer não me vou preocupar muito.

Esta última semana não tem sido fácil.
Todos os dias as lágrimas acabam por cair e já nem as tento controlar.
Já nem tenho medo de estar triste.
Acho natural estar.
Sinto-me de certa maneira "orgulhosa" em conseguir mostrar isso às pessoas, as que conheço e às que não conheço.
Sempre lutei pelos meus sentimentos.
Não me importa o que digam, mas importa-me viver de acordo com o que sinto, independentemente das consequências.
O que está errado nesta sociedade são as máscaras.
Não uso.
Com esta "postura" perante a vida, já ajudei muitas pessoas inconscientemente, embora a maioria das pessoas "fuja a 7 pés" do confronto com o que elas próprias sentem.
Existem muitos truques de defesa emocional e isso faz com que as pessoas os usem, magoando-se a elas próprias cada vez mais.

Porquê?
Estou farta de repetir que esta pergunta é estúpida.
É uma perda de tempo.
Eu já perdi muito tempo com os meus "porquês?".
Sei o porquê do meu estado emocional, porque já perdi muito tempo a analisar todo o meu comportamento.
Assumir a depressão, assumir as emoções não são sinais de fraqueza.
Fracos são os que fingem que "está tudo bem" e sorriem, muitas vezes com o coração despedaçado.
Fracos são os que, para evitar o confronto com os seus próprios sentimentos, julgam e condenam as outras pessoas.
A verdade é que poucos sabem o que vieram cá fazer.
Acredita-se no materialismo e duvida-se da espiritualidade.
Eu sempre reagi de forma oposta à maioria.
Primeiro por rebeldia, depois por afirmação da personalidade e agora porque não consigo ficar indiferente ao Mundo em que vivo.

Não choro por ter pena de mim.
Choro por tudo o que já perdi e não são bens materiais.
Choro porque, para onde quer que eu me vire, sinto insatisfação, desespero, angústia e muita, muita frustação.
Não gosto desta palavra: frustação.
É uma palavra que magoa e fere as pessoas nos seus sentimentos, quando dita inconscientemente.
Todos nós temos frustações.
É uma consequência do medo e/ou da perda de algo.

Profissionalmente sinto-me completamente frustada.
Porquê?
É fácil de explicar.
Quando era adolescente não sabia o que queria ser quando fosse grande.
(Ainda hoje não sei e pressupostamente já sou grande...)
A contabilidade entrou na minha vida de uma forma natural.
Comecei por ajudar o meu ex-marido que trazia trabalho para casa e quase de seguida arranjei um emprego numa empresa e dediquei-me a desenvolver a prática desta actividade.
Aprendi tudo "direitinho".
Não havia computadores e a contabilidade das 4 empresas do grupo (da que me contratou) era feita manualmente.
Prancha da "Ruf", folhas de diário, químicos e fichas de conta-corrente em papel dentro dum carrinho enorme.
Os balancetes eram feitos em folhas enormes, manualmente.
Mas eu gostava.
Por não me dar bem com a minha chefe, andei por vários sectores da empresa, mas o "bichinho" ficou.
Aos 28 anos assumi definitivamente que ia "fazer contabilidades".
Costumava eu dizer que tinha muita sorte, porque ao contrário da maioria, eu tinha um trabalho que gostava.
(Quando era miúda acreditei que, com muito trabalho iria ter uma boa vida e só me preocupei em descobrir algo que eu gostasse.)
E assim segui com a minha vidinha.
"Passo a passo ou step by step".
Aos 29 anos trabalhava sòzinha e quando a minha filha nasceu não tive direito a baixa de parto e esse tipo de regalias, mas também não me importei muito com isso. Levava-a para o escritório comigo e tive a satisfação de a ter comigo nos primeiros 9 meses da vida dela.
Trabalhei sòzinha durante quase 7 anos.
Não gastei dinheiro em publicidade, porque a minha maior publicidade era: "Cliente satisfeito é cliente que recomenda".
E assim foi. Os clientes iam aparecendo recomendados por alguém que estava satisfeito com os serviços.
Naquele tempo ainda se faziam fiscalizações e até arranjei clientes mandados por fiscais da DGCI que, sempre elogiavam o meu trabalho.
Eu era feliz e sentia-me realizada profissionalmente a todos os níveis.

Mas também andava cansada de trabalhar sòzinha e com 35 anos decidi arriscar fazer uma sociedade com uma amiga que, também trabalhava sòzinha.
Também ela estava cansada de não ter ninguém com quem dividir responsabilidades.
A única diferença entre nós é que, ela já ia na fase de ter mais clientes que eu, e como consequência já tinha empregados.
Fizemos a sociedade e tínhamos dois escritórios.
Passado 1 ano ela "baldou-se" com 1.000 contos de uma cliente (que para além de fazermos a contabilidade, recebíamos as rendas) e um cartão de crédito da sociedade com um limite de 200 contos.
Relativamente a esse cartão, isto em 1998, só me lembro da angústia que senti ao ver o limite aumentar para 300, 400 e ao fim de 6 meses já ia em 500 e tal contos.
E foi assim que, "passo a passo" destruí a minha vida.
Endividei-me cegamente só para tentar manter o meu "bom nome" a nível bancário.
Assumi dívidas da sociedade, só no meu nome.
Deixei de cumprir pagamentos pessoais para pagar o "maldito" cartão de crédito.
Muitas vezes chorei desesperada com o Gerente do Banco que, "nada podia fazer".
A burrice foi minha e eu assumi tudo.
Senti-me sòzinha e para todos os lados que me virava só ouvia: "ela não cometeu nenhum crime".
A tal cliente que, foi prejudicada nos 1.000 contos abdicou de meter um processo em Tribunal, porque teve "pena de mim" e não me quis arrastar para o processo judicial.
Trabalhei durante quase 2 anos para ela sem receber um tostão, até a compensar da perda.
E fui-me abaixo.
Foi nesta altura que tive a certeza que, as Leis protegem as pessoas sem escrúpulos e os vigaristas.

Felizmente a minha filha é uma criança feliz e não sofreu directamente consequências de todo o meu sofrimento e de toda a frustação que fui acumulando.
E nestes últimos 6 anos só tem piorado.
Em 1999 tinha 70 clientes e 9 empregados e foi um dos piores anos da minha vida.
A tudo isto, juntou-se toda a estupidez fiscal deste País.
Muitos vigaristas conheço eu.
Todos iguais uns aos outros.
Uma das minhas frases "célebres" é: "A contabilidade não é um mal necessário, deveria ser um bem adquirido".
Mas quem queria saber disto?
A maioria das contabilidades deste País são "falsas" e não espelham a realidade das empresas.
Todos os que trabalham no ramo, na DGCI, nos Bancos, etc., sabem disto.

Por tudo isto, quando li este texto "Positivo ou negativo?" fartei-me de chorar.
É um texto com o qual me identifico na minha maneira de ser e estar.
"(...)
A complexidade da vida e do sistema social leva-me muitas vezes a questionar a minha natureza intrinsecamente optimista, tentando-me frequentemente com sementes de revolta profunda que mexem com o que de mais sólido possa existir em mim como pessoa. Em particular, questiono-me continuamente se devo ser positivo ou negativo perante a vida; se devo continuar a assumir as atitudes positivas e construtivas que normalmente tenho, com grande atenção às pessoas, ou, se pelo contrário, devo passar a ser corrosivo.
(...)
A conclusão a que chego, invariavelmente, e agora também, é sempre a mesma: vale a pena ser positivo; vale a pena não desesperar; vale a pena lutar, umas vezes ganhando e outras perdendo; vale a pena partir a cara aos vigaristas e aos imbecis; vale a pena lutar com a mente e não com a espada.
(...)

Também eu sempre fui positiva.
Mas não deixo de ser realista e não me posso esquecer que, no presente, trabalho como T.O.C. porque tenho uma filha para criar.
Apesar de gostar do meu trabalho, não me consigo integrar no "Sistema Fiscal" deste País e o meu trabalho será sempre uma merda necessária.

Neste lindo País e nesta actividade frustante não vejo "lugar" para mim.
Só porque não tenho "queda" para vigarista.
É um bom motivo para o diagnóstico ser: "depressão"!
Só não virei as costas a tudo isto, porque não conseguiria viver bem comigo própria, tendo deixado os poucos clientes que ainda tenho, "pendurados" e porque não sou de virar as costas às responsabilidades que assumo.
Ainda não perdi o meu lado "positivo", mas...
... a realidade é "negativa"!
Se alguém descobrir uma maneira digna de me livrar disto, agradeço que me digam qualquer coisa...
... às vezes de "dentro das situações" não se vê nada!...