quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Um dia emocionalmente "pesado"... (o post também é "pesado"!...)

Hoje de manhã falei com a minha filhinha e combinamos que ela almoçava na Escola, com a finalidade de eu me poder "mexer"...
Acordei a pensar que o melhor para mim era começar pelo mais difícil.
Desde Outubro que não ia à casa da minha mãe...
... custa-me, que hei-de fazer?

Saí de casa com a força suficiente para enfrentar o que me esperava...
... as emoções, as sensações e as recordações.
E com o apoio de uma alma linda a acompanhar-me telepáticamente, eu senti-me "corajosa"...

Foram muitos anos a fazer a mesma viagem, num todo ou em parte, dependendo se ela estava em casa ou no Hospital...
Significa simplesmente passar nos mesmos sítios e ter que passar, olhar e ver o Hospital onde ela faleceu. E sentir... sentir que, ela já não precisa de mim...

Conforme me fui aproximando, aconteceu o normal...
... lágrimas a surgirem e eu a deixá-las cair.
Não sinto "vergonha" de chorar na rua. Se posso rir, também posso chorar...
Tem dias que me faz bem chorar.
Hoje não era um desses dias, mas também não tenho maneira de evitar isto...

Ao sair da camionete, "salvou-me" o telefonema de um cliente que continuava a tentar pagar o IVA (um dos que pagam por MB e que ia pagar 2).
Subi a rua com ele a contar-me que tinha estado na Repartição de Finanças e que queriam que ele preenchesse um impresso...
Blá, blá, blá... e veio cá buscá-lo antes de jantar.
Não o impresso, mas a fotocópia do impresso já entregue, junto com a prova de entrega nos correios...
Pode ser que assim acreditem. Uma coisa é certa... a maioria dos funcionários das Repartições de Finanças estão mal informados, falta-lhes formação e sobretudo meios e/ou imaginação para "resolver problemas" originados pelo próprio sistema onde estão integrados.
Lembrei-me de escrever uma minuta, para estes meus 4 clientes, clientes todos do grupo BCP, para escreverem uma carta a agradecer a "óptima prestação de serviços".
Agradecem o simples facto de os fazer, a eles clientes do grupo BCP, andarem a perder tempo e gastar dinheiro a tentarem pagar algo que, fazia parte dos serviços e que, por andarem "em guerra" e em "acordos" com o Ministério das Finanças, os privou, sem serem avisados ou dada qualquer explicação, de acederem ao dito serviço... pagamentos ao Estado... IVA... etc...
Este tema decerto terá próximos episódios...

E assim cheguei à Rua onde a minha mãe morava...
Parei e acabei o telefonema.
Respirei fundo... do lado esquerdo a casa dela e do lado direito o Centro de Saúde.
Dirigi-me ao lado direito, onde a única pessoa que eu conhecia bem era a Médica dela...
... estava lá!
E passados quase 2 anos continuamos a lembrarmo-nos uma da outra e ambas da minha mãe...
É mais uma alma linda que eu tenho o privilégio de conhecer!
E ficou a saber de mim, do meu esgotamento e disse-me exactamente o que eu sinto: "Compreendo-a perfeitamente e acho natural essa sua depressão. Já não tem que andar a correr de um lado para o outro e imagino que esteja a ser muito difícil já não ter que, arranjar tempo para ela..."
E é.
Foram muitos anos, muitos internamentos, muitos Médicos, muitas caixas de medicamentos, muitos sobressaltos, muitas idas e muitas vindas...
Fazia parte da minha vida, das minhas "rotinas" e "obrigações".
É um vazio...
Ainda não me habituei, nem sei quando me habituarei a "não ter que ter tempo para ela...".

Mas com a ajuda de muitas almas lindas que, tenho o previlégio de fazerem parte da minha vida, sempre consegui "andar a correr de um lado para o outro", até que um dia...
... corri a tarde inteira, mas a tratar do Funeral.
Foi bom chorar com a Médica dela...
... e ouvi-la falar da minha filha. Ela sempre adorou conversar com a minha filha que, às vezes ia à consulta com a avó.
Quando ela andava "melhor" e não "descompensava", passavam dias e fins-de-semana juntas...

Foi com a neta que a minha mãe conheceu o verdadeiro AMOR.
Não quer dizer que ela não nos amasse, mas era dominadora (ou tentava) e com a neta era ternurenta, meiga, doce, ou seja entregou-se completamente ao sentimento apenas...
Foram tão difíceis os primeiros meses...
Até contei à Médica a reacção dela quando soube...

A minha mãe tinha a mania de dizer que ia morrer.
"É desta que eu morro!" era uma frase que eu detestava ouvir.
Eu ouvi-a muitos mais anos, mas a minha filha ouviu-a 9 anos...
... já ela me dizia assim: "Ó mãe, a avózinha está sempre a dizer que, morre e um dia acerta..."
E foi assim mesmo que, ela reagiu quando recebi o telefonema do Hospital e ela percebeu o que tinha acontecido... só disse: "Pronto... hoje acertou!" e desatou a chorar...

São estas mágoas que tenho que ultrapassar.
Tenho que parar de "reviver" estas emoções e acabar com este "luto" emocional...
Conseguir chegar ao momento em que sorrio quando penso na minha mãe.
A casa cheira a ela...
A saia continua pendurada...
Está tudo a ficar com teias de aranha...

E "fugi" dali depois de ter pago o condomínio e retirado o correio de quase 5 meses...
E fugi para onde?
Chorar por chorar fui chorar para o pé do corpo dela...
Ela está sepultada a uns 100 metros da casa dela...
O Cemitério é ao lado.
Costumava brincar com isso...
O cemitério é ao lado...
Não precisam de me carregar muito...
E fico perto de casa...
Merda para as putas das brincadeiras com a morte!

A morte devia ser uma alegria, como é um nascimento...
... são apenas chegadas e partidas a "corpos físicos".
Tudo o que eu sinto é diferente do que me ensinaram!
Tudo!
Eu não sinto essa coisa de que é mau morrer... é mau porque, encaramos a morte duma forma completamente errada!
Nós continuamos, encontamo-nos vezes sem conta e estamos sempre unidos...
É a saudade do corpo físico, da presença física...
Levamos tempo a "desencarnar" e a minha mãe "ainda vai a casa"...

Um dia a ciência evoluirá ao ponto de explicar tudo isto...
... já não falta muito. Talvez assim se acabe com este "culto de morte" ridículo.
Talvez se consiga diminuir os rituais e aumentar a ajuda espiritual que necessitamos para "desencarnar"...
Já li alguns livros, mas não está nos livros o conhecimento...
... o conhecimento está nos sentimentos e eu não sei como se fala com eles, não os vejo, mas sinto-os... senti a minha mãe ali sempre comigo.
Ela era muito agarrada ao corpo e à matéria...
... e eu só a consegui "orientar" para a Luz, só consegui que ela percebesse que só ia deixar o corpo!
Ela agora acredita em mim, mas era uma mulher muito agarrada à vida...

Como eu gostava de saber ajudar-te, mãe...

"A vida é uma troca." - escrito no monitor da TV, tradução da fala da actriz que, sabe que vai morrer de cancro...
E é mesmo... em todos os sentidos...