domingo, agosto 10, 2003

Domingo!

A tristeza do que me rodeia sobrepõe-se à alegria interior!
Acho que nunca lidei bem com os domingos! Já adorei domingos, já detestei domingos e agora ser domingo ou outro dia qualquer é-me indiferente!
Os dias são-me indiferentes, as horas são-me indiferentes... acho que vou ficando indiferente ao "preconceito" horário!
Durmo a qualquer hora, trabalho a qualquer hora, logo, qualquer hora é boa para qualquer coisa boa!
Por mais que eu arranje um "tempinho" para me refugiar em mim, afim de conseguir uns momentos de paz, já nem isso me "acalma" devidamente...
A vida é uma prova e eu, mais uma vez, estou a ser "posta à prova"!
Desde os 7 anos que luto pela verdade! E iniciei uma luta com o mundo, em que fazia questão de "chocar" com a verdade, na adolescência.
E o meu "mundo interior" foi crescendo, foi-se tornando "forte"! Foi assim, que consegui "cagar" para o que pensam de mim ou o que dizem de mim! A verdade é que nem eu sei a verdade! Logo, como é que alguém se pode sentir no "direito de me julgar"?
Mas, tenho um problema... os meus olhos estão cada vez mais tristes! É do que me rodeia... é por isso que sinto vontade de fugir! Vivo no meio de muitos e muitos teatros! A mentira está instalada na maioria das pessoas que me rodeiam. A mentira ou a omissão, que vai dar no mesmo... isto no "mundo interior" de cada um!
O que me "ofende" e me "magoa" é, quando alguém põe em causa a minha verdade e me impõe uma mentira. Tenho "lutado" por gostar das pessoas aceitando-as como elas são, enaltecendo-lhes as virtudes. É por isso que os meus amigos são verdadeiros! Porque somos verdadeiros, eu com eles e eles comigo! Mas, o meu olhar está cada vez mais triste...
Vejo demasiados teatros e vejo-me "obrigada" a participar em teatros! Sei e tenho que fingir que não sei. Não posso "trair" um amigo, dizendo a verdade por ele! E, voltamos ao mesmo... o teatro da vida!
Até isto, já parece um teatro... não posso "falar" de certas pessoas. Uma porque me pediu, outras porque eu sei que não iam gostar e muitas outras porque seria "despi-las" dos personagens!
E, chego à conclusão, que o preço da minha "verdade" é fingir que não conheço ou não sei quem as pessoas são, nem o que representam para mim!
E, dou comigo a pensar que era tão mais fácil eu ser como elas! Não teria tantos amigos, mas teria muitos menos problemas de consciência. Não teria questionado a Sociedade, não teria lutado por me "sentir bem comigo própria" e não saberia tantos segredos! Não estaria com um olhar triste, falaria do comportamento dos outros e teria um comportamento dito "normal", porque estaria integrada no "diz que disse".
Não gosto de portas fechadas! Não gosto de segredos! Não gosto de mentiras! Não gosto de mesquinhices! Não gosto de me sentir actriz num palco!
Mas, eu não sou normal! Sou eu própria em qualquer situação! Sou eu que vivo, que sou mãe, que escrevo, que entro no IRC, que vou às compras, que falo com os clientes, que estou com os amigos, que falo com desconhecidos nos transportes públicos, que vou às Finanças, que vou ao médico, que falo ao telefone, que urino e obro, sou sempre eu... eu que reclamo, que refilo, que digo palavrões, que amo, que espirro, que me enervo, que penso, que existo!
Sempre a mesma, contudo sempre a mudar! Chamo-lhe evolução espiritual e ninguém tem nada a ver com isso!
É a minha intimidade! É o meu mundo! Posso partilhá-lo mas, apenas eu o possuo! É a "fita magnética" do meu "ser", os registos da minha vida neste corpo...
Tinha 13 anos e andava no Liceu. Chumbei no ano a seguir ao 25 de Abril, porque tinha a mania que era esperta (qualquer dia conto como foi esse ano escolar da minha vida, todo baseado em mentiras mas, que me deu um gozo do caralho) mas, como dizem... Deus fecha uma porta mas abre uma janela... fiquei no 7º ano unificado (evoluções do 25 de Abril, porque antes os meninos eram educados num lado e as meninas no outro e, foi no ano lectivo de 1975/76 que eles resolveram juntar os meninos e as meninas).
Eu era menina e no ano anterior era só meninas. Naquele ano vieram os meninos mas, eram "pequeninos". Eu que, já tinha dado beijos na boca com a língua, deparei-me com meninos que levavam carrinhos de corrida para o Liceu! Sempre fui muito espontânea e pagava "caro" por ser assim. Fazia merda não pelo público mas, pelo prazer de fazer merda e porque tentava ser "livre". Vivia-se a liberdade!
Ora, eu era o terror dos corredores do Liceu! Não havia carrinho que eu apanhasse que não voasse... Mal eu "aparecia" tudo o que tinha 4 rodas desaparecia! Os corredores eram largos e os parapeitos das janelas eram o refúgio dos meninos para mostrarem as "máquinas"...
Eu não fazia aquilo por maldade, apenas achava que eles já não tinham idade para brincar com carrinhos. Nunca aleijei ninguém, felizmente (e que sorte)! Mas, era com cada pontapé que um dia um voou e esbarrou num vidro. Se fosse um passarinho em vez dum carrinho o vidro não se teria estrilhaçado. Mas, sou incapaz de fazer mal a um animal. Antes de tocar para a aula a malta esperava nos corredores. Umas 6 salas x 30 alunos no mínimo... que estivessem 150 adolescentes no corredor, em segundos depois do vidro partir, ficou deserto...
Eu fui a única a assistir aquele espectáculo... ver a malta desaparecer como por milagre para dentro das salas. Estava a tocar e tudo e nunca foram tão rápidos. bem, não ia ficar ali feita estúpida e fui para a sala também com o coração aos pulos! Devo dizer que vivi a minha adolescência praticamente sempre com o coração aos pulos! Adrenalina era a droga principal... fazer merda... fazia parte da sensação!
Antes de chegar a professora (que tinha que percorrer o corredor enorme) chegou a empregada, pois... e só disse: "Quem partiu o vidro é favor dirigir-se ao Conselho Directivo". Assim, friamente... uma voz vinda da porta a interromper o barulho do coração! Como sou espontânea levantei-me e dirigi-me para a porta. Era "freguesa" do Conselho Directivo e não tinha medo nenhum. Já lá tinha ido por coisas bem piores... Cruzei-me com a professora e só lhe disse que ia ao Conselho Directivo. Claro, que não fui a correr, ia nas "calmas" mas era para ver se o coração parava de pular!
E lá percorri o corredor enorme, virei à esquerda, virei à direita e novamente à esquerda... e parei a respirar fundo! Ia levar mais uma "seca"! Aquilo tinha (ainda deve ter) duas portas. Abri a primeira e fiquei numa espécie de ante-câmara para a "seca" propriamente dita (aquilo é estudado para ter o efeito psicológico de meter medo, eu senti isso quando lá fui "solicitada" pela primeira vez). Mas, bater não batiam e ralhar não doía... ia ter medo de quê, eu?
Respirei fundo e bati à porta (naquele tempo tinha que se esperar pela palavra "entre", hoje já nem tanto). Ia a entrar e assustei-me... a porta atrás de mim abriu-se! Sabem aqueles momentos em que estamos concentrados numa coisa e acontece outra nas costas? Pois... foi isso! Já estava a velha a dizer: "Tu outra vez?" e eu atarantada com a turma toda nas minhas costas! Não sei como entrei na sala enorme e eles foram entrando e ela meia parva conseguiu perguntar: "Que aconteceu?". Eu queria falar mas não sabia o que dizer. Saber até sabia mas quando estava à porta... o que me valeu foi o chefe de turma que disse: "Era para participar que foi a nossa turma que partiu o vidro do corredor". Não me lembro de mais nada a não ser de estar na sala de aula e não perceber nada do que diziam... estavamos todos excitados, a professora tentava perceber porque é que tinhamos ido todos ao Conselho Directivo...eles passaram todos por ela também e ela ficou um bom bocado sozinha... e coisas destas não acontecem todos os dias!...
Moral da história: Descobri naquele dia que os meus colegas gostavam de mim como eu era! Fazia merda, assumia e eles gostavam de mim. Nunca isso me tinha passado pela cabeça! Pensava eu, que muitos nem me gramavam... os meninos então, a quem eu lhes fazia voar os carrinhos como é que podiam ter ido ao Conselho Directivo? Mas, foram... e estou-lhes eternamente grata porque, com 13 anos eu apercebi-me que podia ser "aceite" exactamente como "sou", sem teatros!...
Mentir, infelizmente, tenho que mentir. Aprendi a cena das "mentiras piedosas", em que mais vale uma mentira para não fazer alguém sofrer. Aprendi que a verdade pode até ser perigosa...
Teatro... também o faço, infelizmente. Tenho que fingir que não sei ou tenho que me controlar nas palavras...
Mas, tudo isto só me acontece "imposto" pelas outras pessoas! E é isso que me deixa triste... quer eu queira, quer eu não queira... as pessoas fazem parte da minha vida e da minha verdade... eu faço parte da vida das pessoas porque participo no teatro delas!
Enfim... uma ilha deserta era excelente... só não se torna viável porque a minha filha precisa de conviver com outros seres humanos... mesmo que não passem de personagens... animadas ou desanimadas... mas, precisa da oportunidade de também optar por ser ela própria ou não...
Eu, cá continuo a descobrir-me a mim própria, a lidar com a minha consciência, à procura de saber quem sou e o que faço aqui. No entanto, tenho a certeza que quando "for desta para melhor" vou poder olhar para a minha vida com orgulho!
Tenho sido honesta comigo própria... por isso não tenho "vergonha" de me assumir tal como sou, nem medo que não gostem de mim...
Eu gosto de mim e isso... não é para todos, infelizmente!...
Oxalá a verdade vença e se descubra que andamos todos apenas a aprender... que a vida é simplesmente amar...
Agora, vou amar para outro lado!
Um bom domingo e isso...
Beijos